Olhos Vazios

Autora: Katharynny Gabriella
Classificação: Livre
Capa: Katharynny Gabriella



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Ela sabia que a mulher ia morrer, de modo que não se mexeu. Não era algo que pudesse evitar com um simples fechar de olhos uma vez que seus olhos, tecnicamente, já estavam fechados. Ainda assim, não conseguiu repelir o mal estar que veio com a visão, os olhos, castanhos e arregalados, dela eram puro terror enquanto encarava seu carrasco que agora lhe erguia pelo pescoço. Ela distinguiu um beco escuro, alguns sacos de lixo empilhados na entrada, um grande latão enferrujado bem atrás da mulher asfixiante e, tudo que podia ver do algoz era uma tatuagem de carpa no antebraço.

Não havia escapatória, ela bem sabia, a mulher estava sentenciada e quando o homem forçou o pescoço dela o estalo a fez ter certeza da morte inevitável. Sentiu-se enjoada, o corpo caiu no chão, inerte, sangue escorrendo do nariz e da boca, inquieta e horrorizada, ela queria sair dali, queria que aquela visão tenebrosa acabasse, seu coração palpitava dentro do peito, a lâmina brilhou na luz precária do poste que chegava apenas parcialmente ali, ela teve que assistir cada membro da mulher ser cortado, o sangue espirrando em esguichos sobre o assassino frio, a poça aumentando sob o cadáver incompleto, cada parte colocada em um saco de lixo e levada para destino ignorado. A essa altura, lágrimas de horror caíam pelo seu rosto, virou o corpo nauseado e vomitou sobre a poça de sangue no chão.

Li Ka Hua percebeu a claridade pelas frestas da persiana antes de abrir os olhos. Apesar de ter dormido quase doze horas consecutivas sentia-se cansada como se não dormisse há dias e precisou forçar o corpo a pôr-se de pé e arrastar-se até o banheiro. Cabelos opacos, olhar perdido, pele sem viço, a imagem no espelho não era nada animadora, e pudera, sendo ela quem era e fazendo o que podia fazer. “A bruxa do destino”, era como sua única amiga, Kaori, lhe chamava, ainda que Li Ka Hua soubesse que estava bem longe disso. E muito pior. Mas Kaori não podia dizer nada mais. Para ninguém.

Às vezes era suportável. Um tiro, um suicídio... ainda que fosse aterrador assistir, era muito melhor que um assassinato. Ela não tinha ideia de quando aquela mulher morreria nem mesmo o porquê, só sabia que não poderia evitar — raras vezes podia — uma vez que não sabia quem era ela ou onde encontra-la. Assim, Li Ka Hua fez a única coisa que podia fazer quando aquilo acontecia, voltou para o quarto, encolheu-se na cama e chorou a morte brutal daquela estranha em uma tentativa de amenizar o próprio desespero.